quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Cássio

 Cássio (07/09/10)

            Cássio chegou em seu apartamento cansado, como se tivesse cruzado a linha de chegada de uma longa maratona. Ligou as luzes do corredor, foi até seu quarto e, como de costume, colocou alguma música que o fizesse esquecer o calor, as pessoas e sua fome. Então Cássio andou lentamente até a janela e viu o mundo à sua imagem e semelhança.
            Se surpreendeu com o pensamento que esse é o mesmo mundo que ele vê há 42 anos. Mas a vida não reserva mais surpresas para Cássio, que já se casou, já se separou, já teve um filho e já não tem mais e, recentemente, recebeu uma mensagem em seu celular dizendo que não precisaria ir trabalhar na segunda-feira, que a empresa na qual trabalhava estava encerrada, e que logo iria receber uma carta com o subsídio de desemprego. Queria ele ter seguido seus sonhos, mas preferiu seguir suas ambições, trocando as teclas do piano por um curso de contabilidade e suas partituras por de folhas de pagamento. Queria ele ter continuado com suas manias, seus péssimos hábitos, como, por exemplo, na época em que fumava insaciavelmente a ponto de, durante sua janta solitária, bater bituca na borda do prato, do lado do feijão reaquecido.
            Mas nem fumar fumava mais. Fumou tanto que pegou nojo.
            ...
            O fato é que sem sonhos, sem manias nem vícios, Cássio direcionou seu dia e sua noite para suas ambições. E ao ser demitido através de um "torpedo" sentira o valor e o prestígio que suas ambições vazias lhe deram. Ligou inúmeras vezes para seu chefe, mas este nunca atendeu, e pior, entupiu sua caixa de e-mail com mensagens motivacionais.
            Mas nada motivaria Cássio, que agora via o mundo como o espelho da sua apática decepção. Grandes prédios cinzas erguidos pelo seu casamento fracassado, ruas pavimentadas pelos seus anos perdidos em trabalho incansável, e pessoas, de luto, caminhando em marcha fúnebre pelo seu filho que se foi. Como Cássio era orgulhoso demais para olhar para dentro de si, o mundo se fazia Cássio para que ele se admirasse.

4 viajante(s):

Júlia disse...

Que bom que tu postou esse *.* acho lindo =}

Anônimo disse...

Que conto inspirado!
Saudações

Lauren Di Giorgio disse...

Que lindo, adorei esse!

Gustavo Cavalheiro disse...

achei afude esse conto loko