sábado, 27 de novembro de 2010

CARTA DE MORTE.

Homenagem ao vô Manuel Emerim. Homem bom.

Sou quem sempre fui,
Então não há muito a ser dito.
Só resta colocar o meu melhor terno
E o meu sapato favorito.
O que tinha para sorrir, não vi.
O que tinha para chorar, cansei.
Não adianta acender agora as velas
Que sobre os bolos eu apaguei.
Pois os anos passaram em silêncio.
Foram indo embora com cuidado,
E quando eu percebi o tempo poente,
Já não havia forças para fazer legado.
Mas como fazer legado,
Esperando a chuva regar o chão,
Gritando uma lingua estranha
Com uma enxada na mão?
Já colhi colheita podre
De plantanção tão dedicada
E já fechei a porta na cara
De gente que não me devia nada.
Deus que me perdoe,
Mas se errei não me arrependo.
Quanta gente erra rindo a vida inteira
E se arrepende só quando está morrendo?
Que valor existe nisso? Meu Deus,
Se no céu existe gente assim,
Me deixe ser a chuva que rega o chão,
Que rega as plantas e as flores do jardim.
Porque existem muitos jeitos
De se cometer o mesmo pecado.
Ai, mundo velho! Eu me indo embora,
E tu ainda girando em volta desse sol parado...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Chorumelas II - Por Favor, Desculpa E Obrigado


Por favor, queria que tu te visse como eu te vejo!
Desculpa se o que te machuca me faz bem!
E obrigado por me mostrar a tua melhor parte...

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Cássio

 Cássio (07/09/10)

            Cássio chegou em seu apartamento cansado, como se tivesse cruzado a linha de chegada de uma longa maratona. Ligou as luzes do corredor, foi até seu quarto e, como de costume, colocou alguma música que o fizesse esquecer o calor, as pessoas e sua fome. Então Cássio andou lentamente até a janela e viu o mundo à sua imagem e semelhança.
            Se surpreendeu com o pensamento que esse é o mesmo mundo que ele vê há 42 anos. Mas a vida não reserva mais surpresas para Cássio, que já se casou, já se separou, já teve um filho e já não tem mais e, recentemente, recebeu uma mensagem em seu celular dizendo que não precisaria ir trabalhar na segunda-feira, que a empresa na qual trabalhava estava encerrada, e que logo iria receber uma carta com o subsídio de desemprego. Queria ele ter seguido seus sonhos, mas preferiu seguir suas ambições, trocando as teclas do piano por um curso de contabilidade e suas partituras por de folhas de pagamento. Queria ele ter continuado com suas manias, seus péssimos hábitos, como, por exemplo, na época em que fumava insaciavelmente a ponto de, durante sua janta solitária, bater bituca na borda do prato, do lado do feijão reaquecido.
            Mas nem fumar fumava mais. Fumou tanto que pegou nojo.
            ...
            O fato é que sem sonhos, sem manias nem vícios, Cássio direcionou seu dia e sua noite para suas ambições. E ao ser demitido através de um "torpedo" sentira o valor e o prestígio que suas ambições vazias lhe deram. Ligou inúmeras vezes para seu chefe, mas este nunca atendeu, e pior, entupiu sua caixa de e-mail com mensagens motivacionais.
            Mas nada motivaria Cássio, que agora via o mundo como o espelho da sua apática decepção. Grandes prédios cinzas erguidos pelo seu casamento fracassado, ruas pavimentadas pelos seus anos perdidos em trabalho incansável, e pessoas, de luto, caminhando em marcha fúnebre pelo seu filho que se foi. Como Cássio era orgulhoso demais para olhar para dentro de si, o mundo se fazia Cássio para que ele se admirasse.